Roberto Drummond. Estado de Minas, 3 de março de 1978 Publicada dois dias antes do Atlético perder o título que mais mereceu ganhar em toda a sua história. Lembro-me de que, antes de dormir, fiquei escutando aqueles foguetes, parecendo entrada de Ano Novo, e caí nos braços de Morfeu, como falavam os cronistas de antanho, ouvindo os gritos de alegria daquela festa na rua que foi até às 3 da madrugada. Então, era para eu sonhar com alguma felicidade, qualquer que fosse, e não ter um pesadelo, como eu tive. Em geral, a gente não conta os pesadelos, nem os sonhos, mas é que eu tive um pesadelo ligado à sorte do Atlético na final de domingo com o São Paulo. O cenário era o estádio Magalhães Pinto e, antes de o Atlético entrar, houve tanto foguete no sonho (que virou um pesadelo), que parecia um fog, misturado com smog, em Londres. Aí, no meio do fog, saiu o jogador holandês Cruyff, e eu perguntei a ele: ― Você por aqui, Cruyff? Veio assistir ao jogo? ― Não, respondeu Cruyff ― eu vim torcer pelo Atlético. ― Mas torcer pelo Atlético, Cruyff? É incrível... ― Sabe o que é? ― foi falando Cruyff ― Eu acho que o Atlético tem muita semelhança na maneira de jogar com a seleção da Holanda de 1974. O Atlético é um time europeu à holandesa, concorda? ― Olhe, Cruyff, concordo. E concordo porque eu acho que nós, brasileiros, somos um povo europeu que vive nos trópicos. Nós viemos dos portugueses e dos holandeses, temos o sangue negro (o sangue índio é pequeno), e esse sangue negro nos ajuda não só na música, ajuda também no futebol, onde a contribuição do jogador negro sempre foi maravilhosa, mesmo antes de Pelé. Então eu concordo que o Atlético seja, de certa maneira, um time europeu, na medida em que nós, brasileiros, somos europeus... ― Mas sabe o que vim fazer aqui, além de torcer pelo Atlético, que é muito melhor do que o São Paulo? ― perguntou Cruyff. ― Eu vim tentar evitar um desastre. Nesse ponto, como era um pesadelo, sem compromisso com a ordem das coisas, como quando estamos acordados, começou o jogo, com Cruyff no lugar de Reinaldo, com a camisa número 9 do Atlético: foi ele, Cruyff, quem fez o primeiro gol para o Atlético. Mas, daí em diante, o São Paulo começou a reagir e aconteceu tudo que aconteceu à seleção da Holanda no jogo em que a seleção da Alemanha Ocidental ganhou a Copa do Mundo de 1974. Quando aquilo acabou, com o São Paulo campeão do Brasil, vi a torcida desesperada rasgando suas bandeiras, e a multidão chorava, chorava tanto que nasceu um rio navegável nas margens da Pampulha. Num barco que navegava como em Amsterdam, eu, de volta para a cidade, encontrei Cruyff, e ele me disse: ― Está vendo só? O que eu temia aconteceu... ― Mas como foi isso, Cruyff? ― eu falei. ― Não basta ser o melhor ― desabafou Cruyff. ― Como o Atlético é melhor do que o São Paulo, nós também éramos melhores do que os alemães. E perdemos. ― O que vem a ser tudo isso, Cruyff? ― insisti. ― Ouça bem: isto é um aviso para o Atlético ― falou Cruyff. ― O Atlético tem pontos muito vulneráveis na defesa... ― Caso das bolas altas, Cruyff? ― perguntei. ― O caso das bolas altas, nas quais a defesa do Atlético é fraca, e eoutras ingenuidades ― falou Cruyff. ― Além disso, como a Holanda, o Atlético é excessivamente autoconfiante: acha que pode levar gols, que fará outros gols, e tudo bem... ― Exato, Cruyff. Então fica o aviso ― eu disse. ― Fica o aviso ― falou Cruyff ―, o Atlético tem que examinar seus defeitos e ficar atento a eles no domingo...